26 de jan. de 2011

DEPRESSÃO

Cai a primeira folha, cai a segunda folha, cai a terceira folha, coloco um peso sobre elas. Cai a quarta folha, cai a quinta folha, não me contive, fechei a janela. No outono é assim, as folhas caem.
No outono vem a tristeza, a irritação, as brigas. Primeiro vem as discussões, depois os tapas e depois os objetos. Os pratos, as panelas de arroz, de feijão e por último as depressão.
Eis o ponto, a depressão. Sempre me atinge em cheio. Saio na noite a vagar infiltrando-me como um coágulo nas artérias da cidade. Passo por muros e paredes onde leio; Elis vévi; Elis não morreu; Vou comer tua irmã; abaixo o Capitalismo; Abaixo a ditadura; Comi; Viva a democracia; Comi outra vez; A luta continua; Comi outra vez; Jesus é pai; Peguei gonorréia.
Nada disso me chama a atenção, estou voltado para dentro de mim, me penetro, vejo minhas entranhas, as tripas, os nervos, não há nada que me console. Não quero sair dali, pelo menos pelas vias normais mas não sou dono de meus atos, sou expurgado, evacuado de mim mesmo.
Caído na calçada, fedo, faço força para não feder mas, fedo. Adormeço por alguns segundos. Abro lentamente um olho e vejo ali, rente ao chão, vinte e cinco formiguinhas carregando um elefante. Todas me são cordiais, me saúdam e eu agradeço, já o elefante não quer saber de obrigado quer que eu baixe as calçinhas. Eu penso, penso enquanto fedo, deprê é deprê!
Levanto-me puxado pela indômita vontade de escapar do elefante e sigo meu destino de andarilho. Observo que o mundo gira, eu não. No posto ouço o proprietário elogiar a cliente, ouço ela responder; São seus óleos! Na banca de revista ouço o jornaleiro dizer ao cego que chegou a Veja, ouço o cego responder; Quero a Visão! Na esquina ouço o guarda dizer ao travesti que vai prendê-lo, ouço o traveco responder; Já esta preso com emplastro Sabiá!
São essas pequenas coisas, estes insignificantes fatos que me deixam cada vez mais com depressão. Afundo mais e mais. Sou sombra negra nas paredes, sou mancha nos muros, ameba na calçada, na rua não sei o que sou pois não consigo dizer paralelepi... paralelipe... Pois é, isso tudo sou eu a procura do interruptor que vai acender a luz, o clarão que me fará sair desta, sinto-me cada vez mais perto, mais forte, mais quente... é asia, má digestão. Sonrisal diz o letreiro de neon.
Entro na farmácia, peço um antidepressivo. A balconista me exige a receita. Peço a ela que pegue um papel e um lápis e dito; Pegue um homem e uma mulher, deite um sobre o outro, deixe-os a sós por uns dez minutos, aguarde nove meses e pronto. Ela me chama de louco. Encaro-a e fico pensando se ela queria coisa melhor com uma receita tão fácil.
                                                                         Outono 2002

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