14 de set. de 2012

NÃO É FÁCIL - CORAÇÃO ALADO(?)


        NÃO É FÁCIL!   
        Primeiro passo...
        Aprendi com meu pai; Na estrada da vida onde houver mais clientes o serviço é melhor. Fui direto a sala atopetada de gente... Pai no teu tempo não existia o SUS!
       Procurei outra sala, na entrada um segurança, um baita...Deve ter entrado pelo regime de cotas. Na área de atendimento um balcão de mármore, cadeiras de couro, Wassily, ou tipo assim,  PCs equipados e funcionando, assim “tipo net” e incrível a disposição.
       - Estou com uma dor filha da puta no braço esquerdo e...
       De trás da tela imensa uma voz feminina;
       - Dor o que?
       - Uma dor fudida no ombro, braço, mão formigando...
       - O senhor sabe que esta na emergência do Instituto de Cardiologia?
       - ...
       Senti que era hora de repensar o palavreado, seguir o protocolo, “coisa fina” é “coisa fina”!
       Olhei em volta, a cara do cotista, os demais “aperreados” e principalmente os quadros abstratos nas paredes, tomei fôlego;
      - Estou com muita dor no braço, tipo esses quadros, uma...
     - Particular ou convênio?
     - Unimed!
     - Carteirinha... 
     - ...
    - Precisamos solicitar autorização.
    - ...
    - Pode aguardar na sala de espera.
    Fui para lá, boas acomodações, TV na Sky para dar alento aos pecadores, ar condicionado, assim “tipo split”, nas paredes quadros abstratos (Aqueles) e como companhia gente boa gemendo em descompasso, noite em lago de sapos. Ah, se houvesse um regente!
    Tudo muito bom, mas nada me tirava da cabeça que aquela dor era filha de outra que já tivera e a outra era uma “puta dor”!


Na espera...

     Eu ali, na espera do atendimento particular com mais 18 pessoas. Descobri que rico encagaçado tem jeito de pobre. Tinha gente de pantufa roxa, de camiseta regata, de chambre rosa com bolsa Louis Vuitton, a até com camiseta da Carmem (Lembram? Vote com prazer!).
     Tirei do bolso um Monte Cristo, dois centímetros de diâmetro e vinte de comprimento, mal coloquei o na boca e um dos “gementes” repreendeu-me, outros 14 me invejaram e duas senhoras ficaram boquiabertas fitando meu... Charuto.
     Cutucaram meu ombro, era o cotista;
     - É proibido fumar!
     - Tem Uísque?
     - Não!
     - Sem cabimento sua pergunta, acha que vou fazer um Monte Cristo de U$ 50,00 virar fumaça no seco?
     - ...
     O segurança retirou-se e uma senhora achegou-se a mim;
    - Esses charutos podem ser considerados símbolos fálicos...
    - E...
    - Se o senhor não vai fumá-lo posso então deduzir...
    - Quando seu marido esta a fim e a senhora não, por acaso fuma o “fálico” dele?
    - Não...eu...
    - Então por que esta achando que vou fazer “boquete” no meu charuto!
    Mal terminei a frase e um atendente chamou-a para o atendimento;
    - Monica... Monica Lewinsky!

     O diagnóstico
     Uivando de dor espero ser chamado e vou me entregando a estupidez de concluir; Faço os exames e vou embora.
     Na minúscula sala, a maca e uma mesinha, sob ela um aparelho parecido com uma urna eletrônica.
     A moça entra sem olhar para mim. Eu não! Olhou-a de cima a baixo; Mulher bonita, ajeitada dentro de roupas brancas coladas ao corpo e me pedindo para tirar a camisa... Eu sou o lobo mau, mau, mau, mau... Não só no uivo!
     - Tire a camisa!
    Lobo mau e metido.
    - Vai medir a pressão?
     - ...
     Ela enrola meu braço e... Puf, puf,puf.
     Segundos depois... Fupsssssssss.
     - Pressão esta boa?
     -...
     Bonitinha, mas não fala. Ordinária. Tudo bem, “ordinária” não, profissional.
    - Sempre tive pressão boa!
    - ...
    Ordinária!
   - Deite-se!
   - Eletrocardiograma?
   - ...
   Ordinária!
   A urna eletrônica tem tentáculos com terminações em garras e ventosas. Ela passa uma “golesma” gelada, algo tipo KY em meu peito e coloca ali as ventosas, nos punhos e canelas as garras. Liga a geringonça e me manda ficar quieto. Logo a “coisa” imprime uma lista;
   - Então, tudo bem?     
   - ...
   A “ordinária” me pede que volte a sala de espera.
   Segundos, minutos ou horas depois sou chamado, agora para falar com um médico residente. Algumas perguntas, exames ambulatoriais e;
  - Marconi... O “eletro” mostra alguns problemas, é melhor fazermos um exame de sangue. Enzimas, plaquetas, essas e mais outras “coisas”.
  - Doutor, são intenções de votos e...
  - Estou falando de infarto!
  -...
  Sou sangue bom e sem a menor preocupação sigo para a sala indicada carregando comigo a estupidez.
  Lá, após um tempo, lembro de Aldous Huxley; A investigação das doenças progrediu de tal forma que é quase impossível encontrar alguém totalmente saudável.
  Não deu outra, o exame de sangue me indica o “partido”, UTI!

Acomodações
  
   No corredor do INCOR recebi de uma enfermeira um saco plástico e um “conjuntinho fashion”, verde cítrico. No banheiro mais próximo me vesti. As roupas que usava foram para o saco. Fiquei no corredor, me acoquei e comecei a coachar e assim chamei a atenção de alguém que me encaminhou a CTI ou UTI, sei lá!
    A CTI/UTI era provisória, estavam construindo uma nova. Haviam 15 boxes, pelo que pude ver 14 rotativos e um fixo, olhei em volta e gritei;
    - Quem planta pepino colhe pepino!
    Ninguém de deu atenção. Eu me senti mais por baixo que mecânico de submarino, mas uma alma caridosa aproximou-se, apontou-me o Box 9. Fui até o cubículo, acomodei-me na cama, a “alma” ligou-me através de cabos, fios e um dedal a um aparelho, me senti um hardware, periférico de suma importância.
    Não entendia nada dos números, riscos e barulinhos que aquele “microondas” exibia. Fiquei assustado, mas como sempre tive dois sonhos na vida; Ser rico e lindo de morrer, percebi que havia conseguido metade; estava podre e quase morrendo, fiquei animado.
   Logo vieram as injeções e uma porrada de remédios, fazer o que naquela situação, aceitei tudo, mas para não dar moleza a atendente mostrei-lhe meu valor;
  - Seguinte, moça me cuida bem, eu posso não parecer muito forte nesta hora, mas os remédios que tomo são faixa preta!
  - Não se preocupe você é novo e vai se recuperar bem!
  - Novo? Eu sou do tempo que passar o anel era uma brincadeira inocente de criança...
  - Que é isso, agora o senhor será bem cuidado e no lugar certo...
  - Obrigado, estou me sentindo como o Aurélio quando terminou seu dicionário; sem palavras!
  - Não fale nada, fique quieto e durma!
  Durma, como dormir naquela situação?
  - Moça sem querer lhe ofender, levaram minhas roupas e “coisas”, não fosse isso poderia lhe oferecer “um por fora” para que você cuidasse de mim enquanto durmo... Se deixar vou até o caixa eletrônico e... Não, não adianta estou sem dinamite! 
 
       Cateterismo

       Acordei cedo, ouvindo roncos, grunhidos, uivos e muito “ai meu Deus”. Abre-se a cortina do Box e vem a mulher do café. Atrás uma enfermeira com remédios, agulhas, gases, esparadrapos, aparelho de Puf, puf, puf, água, esponja e sabão;
      - Bom dia. Conseguiram um horário para teu cateterismo para hoje...
      - Cateterismo, e aquele exame novo que saiu na Zero Hora a mais de ano, foi só...
      No sorriso dela tinha mais amarelo que pintura impressionista.
     - Podem te levar a qualquer momento. Perna ou braço?
     - Perna!
     Baixei as calças e esperei. Sabãozinho e...
    - Cuidado com esse aparelho, se mexer com a gangue do ovo... Tá frita!
    Raspou os pelos sob a Femural direita e quando ia fazer o mesmo na esquerda eu a impedi.
   - Não precisa, essa daí se recupera fácil e chama o cateter de meu bem!
   Dor e sofrimento são inevitáveis, mal terminei meu pensamento e um médico me fez sinal de positivo, minha hora havia chegado. Esparramado na maca, com uma enfermeira puxando e outra empurrando percorri uns 15 quilômetros de corredores, contei 148 luminárias durante o trajeto.
    A sala do Cateterismo, na hemodinâmica (Essa informação não serve para nada, mas eu não poderia deixar de escrever uma palavra dessas, da estatus ao texto, entende?), continuemos... A sala é fria, as paredes são escuras e o pessoal usa máscaras, luvas e esperam o paciente com as mãos levantadas. Os que já conhecem podem confirmar; parece uma masmorra! Aos que não conhecem posso afirmar; Parece uma masmorra!
    Eles me passaram da maca para uma tábua gelada. A enfermeira mexia e remexia na parafernália instalada a minha volta, um médico tratava de me cortar a perna e outro me interrogava;
    - Fuma?
    - levaram meu charuto!
    - Comendo muita porcaria?
    - Não, só comida gordurosa, vai direto para o coração, sou muito romântico.
    - ...    
    Senti o cateter entrando, senti um líquido quente percorrer minhas entranhas, senti tonturas e um frio na espinha ao ouvir;
    - Putz, a coisa esta feia!
    Pensei, “Boston” I have a problem!
O médico leu meu pensamento;
- Dois problemas! Vamos resolver um agora e o outro só...
Não prestei mais atenção nele, como sou meio espírita olhei para o infinito, identifiquei o gerente (meu guru);
- Marconi, fique tranquilo, esta em boas mãos vai sair dessa.
- Eu precisava nascer com o coração ruim, não poderia ter sido com bolsa família que nem canguru?
O gerente foi sumindo no infinito;
- Brasileiros!

        A primeira molinha (Stent)
       
        Eu, num meio torpor tentava prestar atenção.
        - Pode ser a 20?
        - Melhor o 18!
        Claro que tentei saber do que tratavam e se possível dar minha opinião. Sabem como é, dar descarga no cérebro cheio de merda e estavam falando sobre algo que eu nunca tinha feito na vida; Morrer!
        - Doutor, que números são esses, bitolas?
        Juntos, começaram a conferir minha ficha e concluíram;
       - Marconi, a lista de quem pediu tua opinião esta vazia!
       Como sou mais rodado que prato de micro ondas entendi o recado, mas não resisti;
      - Photoshop não ajuda?
      O médico me encarou por alguns segundos, depois começou a mexer em um dos aparelhos.
      - O que o senhor esta fazendo?
      - Procurando o botão do Foda-se!
      Como só existe um de mim no mundo sou uma espécie em extinção e talvez necessária calei a boca.
     Mexiam aquele cateter, trocavam idéias, riam muito e me olhavam. Desta vez foram elegantes , me mandaram “se fuder” só com o olhar.
     Pelos seus sorrisos e comemorações concluí que tudo dera certo.
     - Doutor, sou tabua que já levou muito prego, a vida tem sido cruel comigo e...
     - Marconi, não coloca a culpa no cachorro, quem pisou na bosta foi você!